Troquei as linhas verticais das árvores do sul do Chile, onde vivo, pelas horizontais da paisagem do deserto para esta viagem. As cores vibrantes de umidade por uma paleta dessaturada de calor. Verdes e azuis por tons de terra e de rosa. Fora de órbita, Trópico de Capricórnio, Latitude 23°26’16’’.
Neste lugar também sopra o vento e parecia ser o mesmo vento, porém ele soa diferente, pois aqui não há nada contra o que bater.
A missão foi encomendada pelo Hotel Tierra Atacama. Estou explorando a área de San Pedro de Atacama, na qual a gente se sente como em outro planeta. Vim para encontrar vida dentro da hostilidade do deserto, e, caso não houvesse vida, descobrir igualmente beleza e poesia.
Primeira excursão: O rosa / Salar de Atacama / Reserva Nacional Los Flamencos
Água azul turquesa, cadeias de montanha rosa, malva e siena [castanho-avermelhada]. Caminhamos sobre um solo de sal. A paisagem é venusiana e eu me sinto em outra galáxia. O planeta dos flamingos. Tomo nota: O rosa néon de suas penas é uma interrupção elétrica da suavidade das cores da paisagem.
Segundo dia: O verde / Guatín e Valle del Arcoiris
Vou como um cosmonauta, buscando água como primeiro indicador de vida. Sim, há água; e ela é um espelho do céu. Emana em forma de salinas, reservatórios, afluentes tímidos e trechos de gelo que se solidificam de noite e resistem ao sol do dia.
As plantas brotam como se tivessem medo do deserto, em sua mínima expressão e em volumes compactos. Fazem isso para concentrar umidade e evitar grandes superfícies expostas ao sol. Em sua resiliência reside seu encanto. Muitas guardam segredos medicinais ancestrais das culturas locais aimara, quechua e atacamenha, e são usadas hoje em dia criativamente na cozinha. Levo comigo uma lista de espécies que busco para ilustrar: Copa-Copa, Pingo-Pingo, Rica-Rica. Por que os nomes são repetidos? Ninguém soube me responder com exatidão, porém se acredita que tenha a ver com a ideia de abundância.
Quebrar as plantas para recolher amostras abriu a porta para uma paisagem completamente distinta: a olfativa. Quem poderia imaginar que se concentrava tanto aroma nos grãos pálidos e dessaturados da rica-rica? Não por acaso ela perfuma coquetéis, infusões e sorvetes nos preparos do hotel.
O verde também brilha da própria terra. O sol ativa os minerais e tudo ganha tons citrinos, cor de esmeralda e verde escuro no que chamam de Vale do Arco-Íris. Aqui as paisagens são poesia visual, e seus nomes poesia sonora: Valle de la Luna, Llano de la Paciencia…
À medida que nos aproximamos do céu a 2800m, 3200m, 4500m, cada patamar de altitude tem sua própria expressão de vida: suas próprias aves, animais e plantas residentes. Os habitantes deste planeta cooperam com a minha missão, e estão deixando que eu me aproxime para fotografá-los e desenhá-los.
Terceiro dia: Amarelo e azuis. Vado de Putana, Lagunas de Miscanti e Miñiques
No caminho encontramos uma grande rocha de enxofre que talvez tenha saltado da cratera de um vulcão. Ou assim imagino. Sua estrutura molecular se organizou para brilhar em fragmentos de brancos e amarelo néon. Confirmo as ideias que confundem este lugar com outro mundo, e este achado foi sentido como um tesouro intergaláctico.
Cresce por aqui uma espécie de grama de pasto a que chamam de palha brava, que recobre as planícies desérticas de ouro. Digo ouro mesmo! Brilha como um tapete de veludo dourado. Será que o deserto sabe que o amarelo é a cor complementar dos violetas e azuis, e faz com que as lagoas do altiplano se destaquem ainda mais? Parece que sim.